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Responsabilidade civil da Administração Pública

Entrevistado: Hewerstton Humenhuk

 

Advogado inscrito na OAB/SC sob o n. 21.127; Mestre em Direitos Fundamentais no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC/SC. Coordenador do curso de Pós-Graduação em Gestão e Direito Público da UNOESC. Professor convidado em cursos de pós-graduação em Direito e Administração Pública de diversas instituições de ensino superior. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente do curso de Graduação em Direito da UNOESC. Professor da Escola Superior de Advocacia – ESA da OAB/SC; Autor do livro Responsabilidade Civil do Estado Constitucional por Omissão e a Efetividade dos Direitos Fundamentais pela Editora Livraria do Advogado, 2016. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Autor de artigos científicos publicados em revistas especializadas. Consultor do Portal Gestão Pública Online. Procurador e assessor jurídico de prefeituras e Câmaras de Vereadores no Estado de Santa Catarina. Advogado publicista em Santa Catarina.

 

Tema: Responsabilidade civil da Administração Pública

 

1 – Dr. Hewerstton, o Sr. é autor de recente livro publicado por uma das maiores editoras jurídicas do país sobre o tema de Responsabilidade do Estado. Como um grande conhecedor da matéria, poderia nos dizer o que é a Responsabilidade civil do Estado e qual seu impacto na Administração Pública?

 

R.: O art. 37, § 6º, da Constituição Federal determina que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Logo, a responsabilidade civil do Estado é a obrigação que esse tem de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, por estarem agindo em seu nome, na qualidade de agentes públicos, causarem aos particulares.

 

Como o mundo dos fatos está repleto de situações cotidianas nas mais variadas atividades administrativas, essas ações ou omissões estatais, caso gerem um dano ao cidadão, serão passíveis de indenização. Portanto, quando a Administração Pública é compelida a pagar uma indenização decorrente de suas ações ou omissões que causaram um dano ao particular, isso gera um impacto no orçamento público, há menos recursos para investimentos em outras áreas sensíveis como saúde, educação e infraestrutura. Significa que pode gerar um prejuízo grande para os cofres públicos, mas também pode gerar um enorme prejuízo financeiro ao gestor ou aos servidores públicos caso constatada a sua culpa. 

 

2 – Quais são os casos mais comuns que geram a responsabilidade civil da Administração Pública?

 

R.: Hoje nos tribunais brasileiros tramitam inúmeras ações de indenização contra o Poder Público em virtude das suas ações ou omissões. Há quase que diariamente condenações da Administração Pública por danos aos particulares advindos de acidentes de trânsito, buracos na via pública, falha ou omissão na prestação de serviços de saúde e de educação, falha ou omissão na manutenção de bens públicos, mortes, lesões, falta de fiscalização, indenização advindas da falta de segurança pública, fuga de presos, morte de detentos, danos ambientais, leis defeituosas, enfim, há diversas situações que se houver: a) a comprovação pelo cidadão da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público prestado ou incorretamente prestado; b) a prova do dano por ele sofrido; e c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido, há o dever de indenizar por parte do Poder Público.

 

 

3 – E como a Administração Pública se defende desses casos de responsabilização?

 

R.: A responsabilidade estatal é amparada no art. 37, § 6º da Constituição Federal que adota aquilo que a doutrina chama de teoria do risco administrativo. Então muito embora ao particular baste comprovar o fato, o dano sofrido e o nexo causal que é o liame entre o fato e o dano sofrido, a Administração Pública pode comprovar nestes casos as chamadas excludentes de responsabilidade, quais sejam: a culpa exclusiva da vítima no evento danoso (se a culpa da vítima for concorrente o Juiz avalia os exatos limites da culpa de cada parte para atenuar ou minorar a indenização), o caso fortuito e a força maior (eventos imprevisíveis, fatos da natureza), além do exercício regular do direito e culpa de terceiro (quando uma terceira pessoa é culpada pelo evento danoso). Além das excludentes, o Poder Público pode comprovar a tese da reserva do possível, que seria a comprovação material de insuficiência de recursos públicos para custear determinada obrigação legal, o que, em tese, poderia isentar do dever de indenizar. 

 

4 – O Sr. falou que há constantemente condenações do Poder Público em face de danos advindos das omissões e das atividades administrativas. Como tentar evitar que o Poder Público seja responsabilizado?

 

R.: A pergunta é extremamente pertinente. Como já diziam os antigos, a prevenção é o melhor remédio. Em se tratando de responsabilidade civil do Estado, a utilização da prevenção e da precaução reduz consideravelmente os casos de responsabilidade da Administração. A prevenção se dá no cumprimento dos deveres do Estado de forma eficiente e eficaz, de modo a impedir o nexo causal de danos presumidamente possíveis de ocorrer. A precaução impõe à Administração Pública o dever de motivadamente evitar, dentro de sua competência e possibilidades orçamentárias, a produção do evento que supõe danoso, em face da fundada convicção quanto ao risco.

 

Atitudes simples, como treinar e capacitar servidores para melhor execução dos serviços públicos, tomar decisões simples e objetivas que comtemplem o mínimo de saúde e educação para população, dar manutenção às estradas ao invés de deixá-las cada vez mais intransitáveis. Pensar em executar serviços públicos e atividades administrativas que são de fato competência da administração. Com a queda expressiva na arrecadação e nestes tempos de crise, imprescindível que se gaste dos recursos públicos com responsabilidade, que se tome decisões proporcionais, ou seja, pensar no interesse público primário e cumprir da execução mínima dos direitos básicos do cidadão, a invés de gastar os recursos públicos de forma equivocada, sem pensar nas consequências, porquanto o poder público gasta e gerencia muito mal seus recursos. É a necessidade do gestor público refletir sobre as escolhas administrativas que pretende tomar.

 

5 – Mas o gestor público não é eleito para tomar decisões e escolher as ações em nome da população? E como resolver o problema constante da alegação dos gestores de falta de dinheiro para saúde, para educação, para estradas? 

 

R.: Essa é a questão nodal, crucial. Os gestores públicos muitas vezes escolhem mal sua equipe, nomeiam pessoas nos cargos comissionados somente levando em conta os vínculos políticos partidários, deixa-se de lado nomes técnicos, pessoas capacitadas. E se o gestor público não capacita e treina servidores, além de nomear de forma equivocada sua equipe, a lógica é que suas escolhas administrativas não serão pautadas para cumprir o mínimo que se espera de um agente político. Logo, a questão passa pelas escolhas administrativas legítimas que serão tomadas. É preciso gerenciar os recursos públicos e gastar bem. Fazer mais com menos da forma mais eficiente possível e criativa. É preciso decidir muitas vezes pensando na coletividade, no interesse público e na efetivação de direitos básicos, ainda que sejam medidas impopulares a curto prazo.

 

Ademais, não se mostra sério o argumento da falta de recursos públicos para educação, saúde, saneamento, manutenção das estradas em um país que arrecada mais de um terço do PIB em tributos. A questão passa como dito, em fazer escolhas administrativas que consagrem os direitos básicos do cidadão para não gerar danos passíveis de responsabilização. E para escolher bem a tomada de decisões do gestor público, somente alicerçado em uma equipe técnica treinada e capacitada, aliada a uma consciência valorativa de prevenção e precaução para não causar danos aos particulares passíveis de indenização. 

 

6 – Quais as consequências quando o gestor público e os servidores que possuem competência funcional tomam decisões erradas ou se omitem em nome da Administração Pública e isso acaba gerando indenizações para particulares?

 

R.: Quando um agente público está a frente da Administração tomando decisões, fazendo escolhas em nome da população e prestando determinadas atividades administrativas e serviços  públicos, se estas atividades gerarem indenizações ao particular, através do instituto da responsabilidade civil do Estado, fatalmente poderá ocorrer aquilo que se chama de responsabilidade regressiva. Significa que quando o Poder Público paga uma indenização em virtude de suas ações ou omissões, é obrigado pela Constituição Federal apurar quem deu causa ao ato ou a omissão que gerou a indenização, a fim de ser responsabilizado regressivamente, ou seja, ressarcir o Erário caso tenha agido com dolo ou culpa. E é importante dizer que a responsabilidade de um ato ou uma omissão, pode gerar, além da responsabilidade civil, a responsabilidade criminal e administrativa também. Por isso, todo cuidado é pouco quando se trata de escolhas e decisões em nome da Administração Pública.

 

 

7 – O que o Sr. sugere para que as escolhas administrativas sejam corretas e não gerem danos aos particulares ensejando a responsabilidade estatal?

R.: Como a responsabilidade civil do Estado pode advir não somente de atos ilícitos da Administração, mas também de atos lícitos, uma vez que, mesmo agindo dentro da lei, se a ação ou omissão do Poder Público causar um dano gerará o dever de indenizar, a questão passa pelo maior controle possível das escolhas administrativas, mesmo naquelas decisões discricionárias, em que a lei da margem de liberdade de decidir. Essa sindicabilidade das escolhas administrativas aliada a necessidade de maior motivação dos atos e opções escolhidas por quem detenha competência funcional e gerencial na Administração Pública, fatalmente gerará uma maior prevenção e precaução na atividade administrativa que possa ocorrer riscos de causar danos.

 

Aliado a isso, inexorável que a legislação seja constantemente atualizada, que os servidores sejam cada vez mais treinados, que os gestores montem suas equipes com pessoas capacitadas, que haja um controle interno efetivo e que acompanhe os motivos de determinadas escolhas, que a sociedade civil seja convocada a auxiliar os gestores públicos na tomada de decisões. Que a Administração não seja omissa e cumpra minimamente direitos fundamentais da população ao invés de gastar os escassos recursos públicos em interesses secundários, que não representam os interesses primários da população. 

 

Ainda, se utilizar da responsabilidade regressiva para compelir quem causou o dano indenizado a ressarcir o Erário. Se cada vez mais o gestor público ou o servidor que detenha competência para decidir, for responsabilizado regressivamente, irá repensar, se orientar tecnicamente e refletir antes de fazer escolhas equivocadas e desproporcionais, pois se tomar decisões erradas e não efetivar minimamente as atribuições básicas do Poder Público, especialmente no que se refere aos direitos fundamentais, causando danos ao particular, será obrigado a ressarcir o Erário em caso de dolo ou culpa. Por isso, quanto mais controle e motivação das escolhas maior a possibilidade de se evitar os danos cometidos pelo Poder Público.